O desenho animado “Os Jetsons”, criado no início da década de 1960, mostrava como seria o dia a dia de uma família um século depois, em 2062. Tele-transporte, robôs, hologramas e outros elementos high-tech anunciavam o que o futuro nos preparava.
Avançando no tempo até chegar à década de 2010, no Belém do Pará, o futuro é igualmente um artigo cobiçado. É o que mostra a série “Área 91”, do fotógrafo carioca Thales Leite, que viajou para a capital paraense para clicar essas naves espaciais, mais conhecidas como “aparelhagens”.
O nome do conjunto faz referência à Área 51, base aérea americana de extremo sigilo, onde, entre outras atividades, supõe-se que militares estabeleceriam algum tipo de envolvimento com extraterrestres. Um segredo bem guardado que quanto mais instiga menos revela. Já 91 fica a cargo do código de telefone de Belém.
“Mistério” talvez não seja exatamente a palavra que melhor defina o que se passa na periferia da cidade. O fato é que os painéis de LED, a fumaça, os fogos e o raio laser transportam o espectador para um lugar inesperado, onde a tecnologia é exuberante. Como prometeram que o futuro deve ser.
Na primeira foto da série, por exemplo, a nave parece levantar as asas laterais, iluminadas com pontos azuis, prestes a alçar voo. A parte da frente, com dois focos de luz, faz as vezes de um par de olhos, dirigidos para a câmera. Talvez seja um ser humano vestido de máquina, ou um bicho disfarçado. De cima, duas chamas de fogo dão a impressão de sair dos ouvidos da aparelhagem. Definitivamente não é um contato amigável, mas tampouco chega a ser hostil.
Por ser tão difícil identificar o que é, nos resta apenas tentar fazer paralelos com objetos e pessoas. As festas de tecnobrega, movidas à batida eletrônica, viram festa também de imagens. A música embala não só pelo som grave e pesado, mas por ser também visual: uma música para se ouvir com os olhos.
As fotos de Thales não mostram pessoas se divertindo. Não exibem as latas de cerveja que pipocam de mão em mão, nem os flertes de um futuro casal, nem os DJs que comandam, do alto da aparelhagem, a multidão. As fotos não têm som, não indicam como vibra o ritmo paraense.
Pelo contrário, Área 91 parece ser um recorte de um documentário imaginário, o relato de um viajante que deu de cara com um tesouro escondido. Retratos de objetos que não têm nada de familiar, a não ser a estética que ficou combinada sobre como vai ser o futuro.
O curioso é que o tecnobrega é um sucesso que movimenta milhões de reais no norte do país, mas sobre o qual pouco se sabe por aqui. É um gênero que não aparece com força na mídia tradicional e que mesmo na internet não tem uma difusão considerável. O estilo criou uma dinâmica própria, que dispensa a hierarquia das grandes gravadoras e se difunde num mercado paralelo fortíssimo.
No entanto, contra tudo e todos, Gaby Amarantos, a cantora paraense que virou a maior representante do tecnobrega, se tornou um sucesso na imprensa nacional. Tem até música-tema na novela da Globo. É um dos poucos nomes de que se tem notícia em meio a grupos menos conhecidos e que, a despeito disso, em Belém são verdadeiras celebridades.
O Sonoro Diamante Negro, o Águia de Fogo 360 HD e Mega Príncipe Negro HD são algumas das aparelhagens que agitam as festas. O nome deixa claro que não se trata de uma música discreta, minimalista. Não se faz com uma pick-up qualquer, em que o DJ se esconde na sombra e os holofotes se voltam para a pista.
A ideia é ser extravagante em tudo. O palco é a própria aparelhagem, que se acende quando a noite já está no auge. A chegada do DJ principal é anunciada e esperada por todos. Quando ele aparece, avançada a madrugada, as luzes cintilam, a fumaça toma a pista, e é aí que o público vai à loucura.
Thales captou o momento anterior a essa catarse. O instante em que as naves são montadas, sem pessoas em volta. Antes da festa. Alguns detalhes acesos no maquinário formam letras incompreensíveis, quase ideogramas de uma língua desconhecida. Talvez sejam flagrantes de um contato alienígena. Se bem que resta saber quem é o alienígena: a pessoa dentro da nave ou o fotógrafo.
Alice Sant’Anna