O ruidoso poder da fotografia

Fotografia é farsa. Porém há quem acredite. Há quem credite a ela o real diante dos olhos. No entanto, quando se trata do olho de vidro, este tem seus limites, age sempre recortando espaços, tempos e luzes. Existe sempre uma inevitável fragmentação do todo, como uma pinça cirúrgica que seleciona uma parte do corpo: escolhas do fotógrafo mediadas pela bitola da câmera. Mas é nessa inusitada combinação entre interpretação sensível humana e possibilidades técnicas pré-definidas que acontece a construção da imagem. É justamente no princípio mais simples da fotografia - recorte de tempo e espaço - onde reside sua faceta mais encantadora: subverter o esperado, gerando especulações em torno da imagem.

Assim sendo, todo fotógrafo é como um piloto de uma nave chamada tempo, que tem a missão de nos levar mais longe. E assim sempre foi ao longo da história da fotografia. Uma paisagem, uma praça ou um monumento em um cartão postal faz-nos “visitar” um mundo desconhecido. De certa forma, ao finalmente viajarmos de fato a uma determinada cidade ou região famosa, sentimos familiaridade com o lugar 1, ainda que a sensação se contraponha ao que esperávamos. Nada mais normal. Trata-se da ficção dentro da “realidade” captada pelo obturador, na qual cabe sempre o embelezamento, a distorção, o agigantamento, etc.

Então, o que nos vem à mente quando pensamos em Belém do Pará?

Ao tomar sua “nave-de-ir-mais-longe”, Thales Leite pousa em uma cidade rica em significados culturais, sentidos palpitantes, imaginário fértil e - por quê não? - estereótipos. Contudo, a Belém, nosso viajante não foi em busca do cartão postal, mas sim de outro mundo dentro do mundo supostamente conhecido: as festas de aparelhagem. Parece ficção científica, mas é pura efusão de sonora tecnologia em meio ao que esperaríamos calmaria idílica. Quem diria nosso viajante encontrar outras naves? Desta vez físicas, diante de sua retina e dos seus companheiros olhos de vidro, ambos ali, prontos à subversão que é fotografar, pois que Thales muito bem sabe as artimanhas deste ato. São máquinas estrepitosas, cujas vibrações sonoras sua câmera de produzir fotografia não tem pretensões em nos apresentar tal e qual, pois não lhe cabe mesmo apenas mostrar. Mais que isso, interessa-lhe a sugestão, ou ainda melhor, a transformação do que diante dele se apresenta. Entre suas escolhas deliberadas está a exclusão da figura humana, produzindo sítios assépticos onde reinam a sós tais máquinas empoderadas de brilhos e recursos.

Muito se diz e muito se vê em relação à região Norte do Brasil. Sobre esses recantos de enormes proporções há uma iconografia muito peculiar já intensamente registrada e interpretada por vários artistas locais ou passantes. A luz do Norte é mesmo vigorosa e através dela recaem cores em sua geografia e em seu povo tantas vezes aludidos. E, quando não mais nos surpreendemos com tanta facilidade, Thales Leite volta de sua viagem fabulosa trazendo diamantes, príncipes, rubis, águias de fogo, máquinas do tempo. Outras luzes, outras cores para um velho código de área.

Rodrigo Braga.



1.
“As pessoas viajam para ver o que já sabem que vão encontrar.”
Nessia Leonzini. Brasil Desfocos: o olho de fora. Centro Cultural Banco do Brasil, 2007, p. 33.





The Resounding Power of Photography

Photography is a deception. Yet, there are those who believe in it. Some credit it with presenting reality as it is perceived by the eyes. Nonetheless, when dealing with the glass lens, its capabilities have limits, as it invariably segments spaces, moments, and illuminations. There remains an inevitable fragmentation of the entirety, akin to a surgeon's forceps selecting a portion of the body: the photographer's choices, dictated by the camera's constraints. However, within this remarkable fusion of human sensibility and predetermined technical potentialities occurs the construction of an image. It is within the simplest principle of photography—the isolation of time and space—that its most enchanting facet resides: the defiance of expectations, leading to speculation surrounding the image.

Thus, every photographer is akin to the pilot of a vessel named time, tasked with transporting us further. This concept has persisted throughout the history of photography. A landscape, a plaza, or a monument on a postcard enables us to "visit" an unfamiliar world. In a sense, when we eventually journey to an actual city or renowned region, a sense of familiarity arises,1 even if it contradicts our expectations. This is entirely natural—a fiction within the "reality" captured by the shutter, where embellishment, distortion, and magnification are perpetually plausible.

So, what comes to mind when Belém do Pará is mentioned?

Guided by his "vessel of going beyond," Thales Leite lands in a city rich with cultural significance, vibrant connotations, fertile imaginings, and—why not?—stereotypes. However, Thales didn't seek postcards in Belém, but rather an alternate world within the ostensibly familiar: the aparelhagem parties. It may seem like science fiction, yet it's an unadulterated outpouring of sonic technology amidst an environment where idyllic tranquility might be anticipated. Who would have thought our traveler would discover other vessels? Physical vessels, present before his retinas and his companions' glass eyes, both primed for the subversion inherent in photography—an art Thales has masterfully understood. These are resounding machines, yet their auditory vibrations aren't presented by his photography-producing camera exactly as they are, as it's not merely a matter of presentation. What's more, he's invested in suggestion, or better yet, the transformation of what lies before him. Among his deliberate choices lies the omission of the human figure, giving rise to antiseptic settings where these empowered machines, ablaze with radiance and capabilities, reign in solitude.

Much is spoken and much is witnessed concerning Brazil's Northern region. These expanses of grand proportions boast a uniquely distinct iconography, already meticulously documented and interpreted by various local and visiting artists. The Northern light is undeniably potent, casting colors upon the geography and its people, oftentimes celebrated. Even when we're no longer easily astounded, Thales Leite returns from his extraordinary expedition with diamonds, princes, rubies, fire eagles, and time machines. Fresh lights, novel colors for an age-old area code.

 Rodrigo Braga.

 1.
"People travel to witness what they already know they'll find."
Nessia Leonzini. Brasil Desfocos: o olho de fora. Centro Cultural Banco do Brasil, 2007, p. 33.